Meu amigo março,
Penso em ti,
és água,
gelo derretido, aquário transbordante,
água que verte nas fontes, regatos, tanques e valetas,
respigas da terra farta de um inverno tão longo quanto húmido.
Podes ser, na origem românica, senhor da guerra,
força não te falta,
qual oceano - Respeita o mar, rapaz, respeita o mar! -
mas,
para mim, és apenas água,
límpida, doce,
passante e vazante,
fonte da vida, do homem, da terra,
tudo moldas, e nada fazes.
Água.
Mergulho em março, neste ano de 2014 onde tudo é quadrado,
ao quadrado, superlativo de tudo o que houve e há-de vir
o ano da decisão,
mandasse eu nestas coisas, seria como antigamente, agora iniciava o ano,
na primavera, para os antípodas outono, é certo,
em qualquer caso, seria certamente o início,
nada se inicia em fevereiro, muito menos em janeiro,
só são os meses do resto do inverno, o tal,
que nunca mais acaba.
Macho, sem dúvida, mas não másculo,
temperamental, é certo, fértil nem tanto,
aguadeiro siamês,
límpido, visível e invisível, misterioso enigma...
Que nos reservas, março, nessas tuas possantes reservas de água,
futuro ou passado?
Vago como um indie hipster, não te vejo, não te sinto, cheiro ou pressinto,
aguardo-te, deslizando, flutuando, imergindo no teu âmago,
pelo menos, por um instante, vislumbro-te,
já percebi,
és o líquido amniótico!
Como não haverias de ser difícil de entender?
Origem, proteção, multidimensionalidade e imensidão,
vendo bem,
és bem o deus encubador, a tua voz,
de tão compenetrante e trovosa,
a todos nos embala,
sem nos tocar.